(sentires)
Quando voltamos ao ponto zero. Momentos em que se derruba, de uma só vez, o que construímos. Fica um nada. Sem fios, sem rede. Sem amarras. Há um momento. Em que tudo pára. Não há passado, nem futuro. Há tão só um presente, que é tudo menos reconhecível. O tempo ganha outra consistência, outra velocidade. Não é mais rápido, nem mais lento, mas mais amplificado.
Quando voltamos ao ponto zero. Momentos em que se derruba, de uma só vez, o que construímos. Fica um nada. Sem fios, sem rede. Sem amarras. Há um momento. Em que tudo pára. Não há passado, nem futuro. Há tão só um presente, que é tudo menos reconhecível. O tempo ganha outra consistência, outra velocidade. Não é mais rápido, nem mais lento, mas mais amplificado.
O mundo. Os olhos passam a ver o mundo através de um véu, ou
talvez de uma névoa. Com o nada vem uma espécie de indiferença, que não o é na
verdade. É antes a recolha dos vínculos que nos ligavam à paisagem antiga. À
paisagem natural, material e humana. Desvinculamos e pairamos. E então vem um
desses momentos em que não é a liberdade que dá forma e resgata o nada, não é o
sentido de possibilidade que nos invade. É o desamparo. É também a angustia de
morte, no sentido de que efetivamente, do ponto de vista psicológico, há alguma
coisa que morre. Parte de nós que deixa de existir tal como era. A
transformação, o renascer, a alquimia, esses, são só sentidos mais tarde.
A resposta, aqui, é precisamente dada pelo presente. A
contemplação do presente e do que que cada momento revela. Na sua inércia, no
seu pormenor, na sua beleza, na sua poesia. Deixar morrer. Deixar de tentar
agarrar, com unhas e dentes, os vínculos antigos. Doí, claro, mas deixa de ser
a dor da luta, da culpa, do arrependimento e da desesperança. É a dor puramente
da perda e é então aí que se abre espaço para nutrir, para a cicatrizar e,
paradoxalmente, para ter esperança, sentido de possibilidade e futuro.
Regressemos ao essencial. Dormimos, alimentamo-nos, embrulhamo-nos numa manta.
Depois, uns de nós começam a começar a dançar, ou pintar, a escrever, a passear
entre as árvores. Observamos os fios das nuvens, ouvimos o tecer das teias de
aranha, sentimos o cheiro da chuva. Sim, porque tudo se amplifica. Tudo se
sente mais. Vê-se tudo com mais clareza. Ainda não é tempo para projetos a
longo prazo. É preciso ficar um bocadinho aqui. Dentro. Devagarinho, vamos
depois oscilando, entre o dentro e o fora. Entre aninharmo-nos em nós mesmos e
irmos lá fora, ao encontro do outro e do mundo. O significado e o sentido da
vida virão de dentro para fora. Caso contrário, o fora vai-nos fazer sentir que
a nossa vida foi roubada. Vamos sentir abandono e rejeição. E por isso mesmo,
voltemos ao centro e ao essencial. É um tempo germinal, de ser semente no
interior da terra. É importante o cantinho do costume, a sopa quente do
costume, a paisagem do costume.
Quando perdemos o amor do outro, deprimimos. Quando
deprimimos, congelamos em sentido psicológico. Congelamos para não sentir.
Apesar de este ser um mecanismo de defesa, inibe a possibilidade criadora e a
criatividade, a verdade é que a psique reage ao aconchego e não à falta de
sensibilidade (Pinkola Estés). Para nos tirar do frio, é preciso calor. O
calor dos cuidados básicos, do que nos nutre. E, então, o regresso do movimento
criativo.
Se a dança está repleta de metáforas para a vida e para as
relações, aqui está uma delas. Porque “o ponto zero” é também o ponto ao qual
voltamos sempre quando dançamos. Os dois pés encontram-se, tocam-se, assentes
no chão, tomam consciência de si mesmos, inspiram, sentem a intensidade do
movimento anterior e enraízam de novo. Regressamos ao nosso eixo, ao nosso
centro. Preparamo-nos então para o passo seguinte.
Livro recomendado: “As mulheres que correm com os lobos” de Clarissa Pinkola Estés, Editora Marcador
por Ana Sevinate
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