(palavras)
Era uma vez uma ave rara. Era uma vez uma ave rara que tinha
uma pena de cada cor. Vivia num lugar longínquo onde existiam também outras
espécies, tais como a ovelha negra, o patinho feio, o bode expiatório e o
carapau de corrida. Porém, uma espécie distinta. Não tinha uma sombra tão
comprida como a da ovelha negra. Não tinha a fama de proscrita que tinha o
patinho feio. Não carregava todos os males do mundo às costas como o bode
expiatório. Nem via o mundo lá de cima do alto dos seus quinze centímetros e do
seu nariz empinado como o carapau de corrida. A sua essência era tão somente
ser diferente. Somente rara.
A ave rara tinha hábitos próprios e únicos da espécie. Gostava
de poisar no ombro das pessoas e de lhes piar ao ouvido. Dizendo “vens de outro
planeta e não há mal nenhum, vens de outro planeta e está tudo bem, vens de
outro planeta e olha para as tuas cores”. E as pessoas ficavam então a
sentirem-se diferentes. Como tendo aterrado, não sabendo bem de onde nem
porquê, numa terra que não era a sua. Para além desta característica, a ave
rara tinha também por hábito só se alimentar de trevos de quatro folhas e
apanhar banhos de luar.
A ave rara cedo aprendeu que os seus conterrâneos tinham
hábitos bem diferentes dos seus. A ovelha negra chegava-se devagarinho junto
das pessoas tocando-as ao de leve com a sua lã preta e fofa e dizia-lhes “és
uma vergonha”. O patinho feio corria desajeitadamente e grasnava lá de baixo
para que as pessoas o ouvissem “não pertences aqui, não és benvindo aqui”. O
bode expiatório, grande e robusto dava um encontrão às pessoas e berrava-lhes
“a culpa é toda tua”. O carapau de corrida, esticado e perfumado segredava-lhes
“os outros são uma vergonha e não te chegam nem aos calcanhares”. A ave rara
cedo aprendeu que a sua mensagem não era sombria, nem dolorosa, nem pesada, nem
empertigada. Por essa mesma razão, era muitíssimo importante que aparecesse de
vez em quando, no momento certo.
Se alguém se sentisse muito diferente e aparecesse a ovelha
negra, a ave rara sabia que essa pessoa se iria sentir a pior pessoa do mundo,
levando consigo uma nuvenzinha preta para todo o lado que fosse. Se alguém se
sentisse muito diferente e aparecesse o patinho feio, a ave rara sabia que essa
pessoa se iria sentir rejeitada e insuficiente. Se alguém se sentisse muito diferente
e aparecesse o bode expiatório, a ave rara sabia que essa pessoa iria sentir-se
tal e qual um caixote de lixo municipal. Se alguém se sentisse muito diferente
e aparecesse o carapau de corrida, a ave rara sabia que essa pessoa iria
sentir-se a melhor, a maior, acima, mais longe.
A ave rara cedo aprendeu que a importância da sua mensagem residia
no facto de não carregar consigo qualificativos de melhor ou pior, suficiente
ou demais. As pessoas sentiam-se sim provindas de outro planeta, mas sem que
isso fosse um problema. Não haviam críticas ou julgamentos. De si mesmas ou dos
outros. A ave rara sabia, à semelhança das outras espécies, que pode ser difícil
não se ser compreendido nem se compreender os outros. Quando parece que não se
fala a mesma língua. Só que sabia também que não ser compreendido ou não
compreender não faz de ninguém insuficiente, rejeitado, errado ou a oitava
maravilha do mundo. Sabendo que as aves raras são raras, mas que existem muitas
mais. Que quando se juntam é bom sentir que todas comem trevos de quatro folhas
e apanham banhos de luar.
por Ana Sevinate
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