(sentires)
A perda é imanente à vida. Passamos a vida a perder. Perdemos coisas, perdemos pessoas e perdemos também sonhos. No entanto, a verdade é que não sabemos perder, não fomos ensinados a fazê-lo. “Não penses nisso”, “segue em frente” é aquilo que nos dizemos e que, necessariamente, dizemos também aos outros. Dizem-nos que o que é preciso é ganhar, ganhar dinheiro, ganhar a corrida, ganhar estatuto, ganhar o direito, ganhar a vez, ganhar a lotaria.
Perder não é suposto e, assim, quando acontece, sentimo-nos necessariamente errados. Sentimo-nos errados por ficar tristes ou zangados ou perdidos. Então fazemos conta que ninguém viu. Tentamos fazer de conta que não aconteceu. O que não sabemos, também, é que aqui reside a maior perda de todas. Pois se não damos o tempo e o espaço que a perda precisa e merece, perdemos inevitavelmente o ganho que a perda traz. Pois se a perda é imanente à condição humana, o processo de luto é imanente à psique.
Quando perdemos a idade que tínhamos ou a pessoa de quem
gostamos, quando os nossos filhos saem de casa, quando ficamos doentes e
perdemos saúde, quando mudamos de emprego ou até o perdemos, quando mudamos de
cidade ou de país, é importante que paremos. Não deixamos de viver.
Simplesmente paramos, para olharmos para dentro de nós e para olharmos para o
que está à nossa volta. Paramos para poder ficarmos tristes, zangados, perdidos
ou mesmo aliviados, esperançados, motivados.
Quando perdemos, algo em nós muda, a forma como vemos o
mundo também muda e, dependentemente da gravidade e da intensidade da perda, o
sentido e o significado da nossa vida também podem mudar. É necessário, então,
um tempo e um espaço próprios para encontrar um novo sentido e para
resignificar. É necessário tempo e espaço para sabermos quem somos agora e para
onde seguimos caminho.
Não existe nada de errado em sentirmos dor pelo que perdemos
ou pelo que deixou de ser como era. Antes pelo contrário, se queremos seguir em
frente, é preciso, senti-la, pensá-la, expressá-la e honrá-la. Os rituais
tornam-se, então, importantes, não só aqueles que conhecemos – funerais, aniversários e cerimónias,
passagens de ano, mas também os nossos próprios, pessoais, sempre que sintamos
que se fechou um ciclo e que está prestes a iniciar-se um novo. Segundo Robert
Romanyshyn, cada processo de luto corresponde a um Inverno e, como
qualquer estação do ano, é necessária, tem o seu tempo e não pode ser
acelerada. Torna-se, assim, fundamental tentarmos não ser impacientes com quem
estiver a atravessar uma experiência de perda e um processo de luto, quer
sejamos nós, quer sejam os outros.
É comum termos receio de dizermos aos outros aquilo que
estamos a sentir, porque nos vamos sentir julgados, porque não nos vamos sentir
validados, porque vamos sentir que não nos devíamos sentir assim. Da mesma
forma, ouvir a tristeza, a desesperança, a falta de sono, a falta de apetite,
ou a confusão dos outros pode ser difícil e por isso também não ouvimos, também
dizemos aos outros que o melhor mesmo é pensar noutra coisa, sentir outra
coisa. Importa, assim, sentirmos todos, que temos espaço para sentir, para
dizermos uns aos outros “ouço o que estás a sentir”, “entendo ou imagino o que
estás a sentir”. É precisamente daqui que se abrem novas possibilidades, que se
iniciam novas estações.
É precisamente do reconhecimento, da escuta e da validação
daquilo que possamos estar a sentir ou a experienciar, que se torna possível
seguir, realmente, em frente. Nós mudamos e o caminho muda de direção e, sem
romantizarmos, assumimos que este é um processo que traz dor e que, por essa
mesma razão, tentamos evitar. Porém, se o evitarmos, acrescentamos, à dor da
perda, a dor de não conseguirmos dar-lhe um significado. Significado este, que
será tão único para cada um de nós e tão próprio ao que perdemos. Se a dor da
perda nos faz questionar o sentido da vida, a resposta também só pode vir
através dela. É, por isso, fundamental, que aprendamos a perder.
É neste contexto que a psicoterapia pode construir-se e
co-construir-se como um espaço e um tempo próprios onde o processo de luto é
acolhido e integrado. Por sua vez, ao validá-lo, reflete em nós a nossa própria
capacidade de validação, facilitando e honrando o processo de luto para além do
tempo e do espaço psicoterapêuticos. Aliás, podemos ainda dizer que todo o
processo psicoterapêutico é um processo de luto (Romanyshyn), no sentido
em que o que é fundamentalmente trazido para o setting psicoterapêutico é uma
qualquer ausência. É desta ausência que emanam, pois, narrativas nunca
contadas.
(Este artigo foi publicado em parceria com o Instituto Português de Desenvolvimento Pessoal)
(Este artigo foi publicado em parceria com o Instituto Português de Desenvolvimento Pessoal)
Livro recomendado: "The soul in grief: love, death and transformation" de Robert Romanyshyn, North Atlantic Books
por Ana Sevinate
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