(sentires)
“Malmequer, bem-me-quer,
Muito longe está quem me quer bem. “
Amália Rodrigues
Ser malmequer* é ser pequeno e é ser grande. Pequeno. Em
tamanho. Grande. Em dignidade. Um pequeno sol despenteado. Sol do meio dia.
Erguido. Assimétrico e nervurado. Pétalas nervosas. Filhas do vento.
Ser malmequer é nascer no cume da montanha. Terras altas. É
espreitar o mundo de lá de cima. Longe das coisas más. Mas à mercê da tempestade.
E longe do abraço. É crescer em solo sofrido, feito de natureza que morre.
Para dar vida.
Ser malmequer é ter a sabedoria profunda de despontar. Vigorosamente.
Numa vulnerabilidade singular que só se vislumbra de perto. Ao longe,
seguem-nos como olhos de leopardo. Mantêm-nos hipnotizados. Mantêm-nos à
distância.
Ser malmequer é ser simples e é ser complexo. Simples
naquilo que escolhe segredar-nos ao ouvido. Complexo naquilo que o fez
desabrochar. É ser contador de histórias. Articulado. Intelectual. Resiliente.
Mantendo-nos hipnotizados. É ter sido o elo mais frágil. Desintegrado.
Sensível. Alienígena.
Ser malmequer é aprender que é preciso lutar. Sempre. É aprender
que só se sobrevive sozinho. Mantendo-nos à distância.
Ser malmequer é dizer que está tudo bem. Sempre. E é estar
dorido. Sempre. Não podendo-nos aproximar, a ajuda teima em não chegar.
Ser malmequer é ser exército aprumado que não deixa entrar.
Entristecer-se é perder a luta. Zangar-se é perder a razão. E, por isso, a
disciplina é militar e a dor é a de falhar. Sempre. Deixar ver a falha é
dilacerante. Fiquemos então à distância.
Ser malmequer é ser o sobrevivente e é ser o vilão. No conto
de fadas. No fim das contas. É sobreviver à ferida. É obrigar-se a ficar lá. Castigando-se
com biografias de terror. Autobiografias. Pesadelos. Do malmequer. Porque aprendeu
que é lá que se sobrevive. Que é lá que é território fértil. Raízes
afincadas.
Ser malmequer é ser rebelde e é ser bem-comportado. É ser
irreverente, único, diferente. Naturalmente. Mantendo a distância. É ir para
além do fim do mundo para ser perfeito. Para poder ter colo. Superando-se,
sempre. Provas do seu valor, que nunca chegam. Nódoas negras. Mantendo a
distância.
Ser malmequer é compreender o sentido da vida lá do alto e é
não perceber porque continua a doer.
Ser malmequer é doer tudo e não doer nada. É doer tudo na
pele. É doer nada no coração. Porque quando dói lá é porque chegámos demasiado
perto. Tocámos. Malmequer pequenino. Aterrorizado agora. Pétala recortada. Fazemos
lembrar a dor de ter estado sozinho. A eminência do desamparo.
Mas e se permanecermos longe? E se batermos de frente no
muro e voltarmos as costas? E se nos deixarmos perder no brilho dos olhos e no
entusiasmo das histórias? Fica sozinho. O malmequer. Abandonado.
Mas e se conseguirmos ir chegando devagarinho? Dando espaço
à dor. E ao medo dela. A do coração. Porque é o medo dela que o faz lá ficar. O
malmequer. Em terra sofrida. E se dermos lugar à falha? De não ser perfeito. E
de estar bem assim. Como é. O malmequer. Mesmo banal. Está bem assim. Terreno. Frágil.
Frágil, mas não vítima. Humano, mas não super-herói. Humano, mas não o mau da
fita. Divino. Na sua falha.
Está bem assim.
Tribal, no fim das contas. Tufos amarelos.
por Ana Sevinate
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* arnica montana – de pétalas amarelas, é familiar do
malmequer comum; sendo um dos remédios homeopáticos mais famosos, possui
propriedades anti-inflamatórias e é utilizada no contexto de trauma, sejam
lesões dos tecidos provocadas por impacto (nódoas negras, contusões, entorses),
sejam mágoas e dores da psique; é rica em selénio e em manganês.
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