(sentires) (natureza exemplar)
“Então ficaram com a certeza de terem encontrado uma
princesa verdadeira,
pois ela tinha sentido a ervilha através de vinte edredões e
vinte colchões.
Só uma princesa verdadeira podia ser tão sensível.”
Hans Christian Andersen
In A Princesa e a Ervilha
Se o mundo fosse uma vagem seríamos bolinhas aninhadas numa
mesma casca. Semelhantes, mas nunca iguais. Germinadas pelo impulso uns dos
outros. Verdes de esperança e repletos daquilo que nos nutre. Parceiros.
Sairmos da casca seria para jogar à apanhada com o sol. Escondermo-nos na toca do coelho seria para ficar à
sombra. Vizinhos. E na sombra. Sem embaraço nem desonra. Padrinhos.
Se o mundo fosse uma vagem, escondermo-nos seria só um jogo.
Porque o medo de existir viveria num reino longínquo. Nunca nos entraríamos à
esquina, mas sempre ao centro. Tocando concertinas, violinos ou oboés. Nunca
nos sentaríamos à retaguarda, mas sempre em távola redonda. Cavaleiros.
Andar às cavalitas seria só para ganhar a perspetiva de quem sabe voar.
Porque não seria preciso ter asas para passar por cima das coisas más. Andaríamos
sobre os próprios pés. E de braço dado com as fadas. Companheiros.
Se o mundo fosse uma vagem, as princesas gostariam de
ervilhas. Porque não precisariam de ter mossas para usarem coroas brilhantes.
Espeitariam pela fechadura e atravessariam portas ferrugentas. Pioneiras.
O fogo do dragão acenderia fogueiras e aqueceria corações. As
espadas seriam só para inventar golpes de mestre. E os campos de batalha seriam
travados por flores silvestres. Atrevidas.
Vagem com um miradouro. Para existirmos. Uns para os outros.
Vagem orgânica. Para não sufocarmos. Vagem sagrada. Para não nos perdermos.
Vagem não hermética, para brincarmos. Vagem porosa, para entrar luz. Vagem contentora.
Para sermos autênticos. Vagem imperfeita. Para nos envolvermos no seu abraço.
Vagem que dá colo. Cantando embalos e histórias originais.
Inéditas. Audazes. Que nos contam sobre um mundo novo. Admirável. E de raiz.
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