(sentires)
“Fecha os olhos bem fechados,
e diz-me a que é que cheira.
Cheira a rosa, cheira a nardo,
ou a flor de laranjeira?”
Jorge Sousa Braga
Qual é o meu nome? Qual é o teu nome? Qual é o nome da rosa?
Que significado tem? Que mensagem guarda? O nosso nome. O meu, o teu e o da
rosa. E esse foi o nome que nos deram. A mim. A ti. À rosa. Etiqueta. Rótulo. Cartão
de visita. Cartão do cidadão. Bilhete de entrada. Palavra passe para o encontro.
Que alguém escolheu para nós. E nessa escolha está parte do que a nossa
história tem para contar. E se perguntássemos, ao nosso nome, “de onde vens?”,
“por que caminhos vieste?”. E se nos perguntássemos, a nós, “qual é o nome que
é o meu?”. E o teu? E o da rosa?
Somos flores. Rosas. Alfazemas. Papoilas. Girassóis. Camomilas.
Calêndulas. Amores, perfeitos. Com perfumes de família, género e espécie. Etimologia.
Nome em latim. Pertença. Linhagem. Canteiro. Jardim quem sabe. Ou campo aberto
talvez. Floresta por ventura. Origem. Estirpe. O nome da família. O nome do
género. O nome da espécie. Nomes em folhas. Folhas A4. Páginas Amarelas. Que
nos localizam. GPS. Que nos organizam. Herbário.
E há o nome primeiro. Primogénito. De uma ou duas pétalas.
Às vezes mais. Aquele que atribui o nosso número na turma da escola. Aquele que
sopra dos lábios de alguém que nos chama. Essência de perfume. Aquele que nos
faz girar, atentamente, em torno de nós mesmos. Sempre que o ouvimos. A que
cheira? Estranheza ou afeição? Rejeição ou propriedade. Abrimos ou fechamos?
Que raízes nos tocam? Aquele nome que conta a fábula que escolheram para nós. Comum.
Identidade e história que aprendemos a defender (Mindell).
Identificação. Retrato a preto e branco. Ou desidentificação
(Assagioli), para além daquilo que sentimos, pensamos ou fazemos? Sonho a
cores. Quem é o nosso nome? Parte de nós ou totalidade? É caule, folha, estame?
Ou é planta por inteiro? Revela um papel que desempenhamos? Ou extraímos dele a
essência de nós? É o personagem que o mundo vê? Ou é imagem-palavra da nossa
psique? Escrita ou falada. Desenhada ou sussurrada. Exclamada ou declamada. Proclamada.
Cantada. Dita em jeito de prece.
Porque existe esse nome. Tenha sido aquele que nos foi
oferecido, ou não. Esse nome que é o nosso. O meu, o teu e o da rosa. Aquele do
qual extraímos óleo essencial. Complexo. Componentes químicos infinitos. Que é
mais do que um nome. Que uma identidade. Único o suficiente para nos revelar.
Amplo o suficiente para nos incluir. A cada um de nós e um ao outro. Ao longo
das estações. Polinização. À medida que os ventos e as abelhas nos trazem frutos.
Renovados. Aquele nome que conta. Extraordinário. Porque é aquele que ecoa também
o nosso corpo-sonho (Mindell).
E qual é o nome que me dás? Qual é o nome que te dou? Qual é
o nome que damos à rosa?
Identidade que escraviza? Ou amor empático? Que nos faz ver
para além. Das pétalas. Dos espinhos. Dos veios. Das fragrâncias. Dos botões. Das
raízes também. Seiva que corre. Nome que se vai reinventando, acrescentando, compondo.
Reciclando. Nomes antigos. Unindo-se. A outros nomes. Amor empático onde o eu é
livre para se abraçar (Firmin e Gila). Em consciência e com vontade
(Assagioli). Cabeça, coração e fundo *. Que vê aquilo que dá corpo. Óleo
essencial extraído a frio. Conservando propriedades. Biológico. Sem aditivos. Medicinas.
Soletre-se o nome que é o nosso. E escute-se o corpo-sonho.
Dores, sintomas, imagens (Mindell). Símbolos. Aromas que nos apontam o caminho
até à psique. Sentido. Insight. Medicinas. Porque é a imaginação que abre
caminho à possibilidade dessa relação empática (J. K. Rowling). Magia. Na
capacidade de imaginar o outro. Com dores, com sonhos e muito para lá do
horizonte deles. E de cada vez que o dissermos nascerá uma flor. O meu nome que
acolhe o teu. O teu nome que acolhe o meu.
O nome da rosa que cultiva os dois. Medicina primordial. Geleia
real. A da rosa, a da alfazema, a da papoila, a do girassol, a da camomila, o
da calêndula, o do amor-perfeito. A de cada um. Flores que cuidam. De todos.
Reguemos. Olhemos com deslumbre os polens que se cruzam no ar. Cuidemos das
flores da Terra. E dos nomes de nós. E também da relação autêntica que faz
germinar as flores da Terra e os nomes de nós. Porque é esse o, tão singelo,
nome da rosa.
Livros recomendados: “Psicossíntese: um manual de princípios
e técnicas” de Roberto Assagioli ; “The primal wound” de John Firmin e Ann
Gila;; “The shaman’s body“ de Arnold Mindell”; “Herbário” com poemas de Jorge
Sousa Braga e desenhos de Cristina Valadas.
Livros como inspiração: “Todos os nomes” de José Saramago;
“A identidade” de Milan Kundera; “O nome da rosa” de Umberto Eco.
* Cabeça, coração e fundo: as três classes de notas
olfativas de um perfume
por Ana Sevinate
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