17/07/2017

todos os nossos nomes


(sentires)


“Fecha os olhos bem fechados,
e diz-me a que é que cheira.
Cheira a rosa, cheira a nardo,
ou a flor de laranjeira?”

Jorge Sousa Braga

Qual é o meu nome? Qual é o teu nome? Qual é o nome da rosa? Que significado tem? Que mensagem guarda? O nosso nome. O meu, o teu e o da rosa. E esse foi o nome que nos deram. A mim. A ti. À rosa. Etiqueta. Rótulo. Cartão de visita. Cartão do cidadão. Bilhete de entrada. Palavra passe para o encontro. Que alguém escolheu para nós. E nessa escolha está parte do que a nossa história tem para contar. E se perguntássemos, ao nosso nome, “de onde vens?”, “por que caminhos vieste?”. E se nos perguntássemos, a nós, “qual é o nome que é o meu?”. E o teu? E o da rosa?

Somos flores. Rosas. Alfazemas. Papoilas. Girassóis. Camomilas. Calêndulas. Amores, perfeitos. Com perfumes de família, género e espécie. Etimologia. Nome em latim. Pertença. Linhagem. Canteiro. Jardim quem sabe. Ou campo aberto talvez. Floresta por ventura. Origem. Estirpe. O nome da família. O nome do género. O nome da espécie. Nomes em folhas. Folhas A4. Páginas Amarelas. Que nos localizam. GPS. Que nos organizam. Herbário. 

E há o nome primeiro. Primogénito. De uma ou duas pétalas. Às vezes mais. Aquele que atribui o nosso número na turma da escola. Aquele que sopra dos lábios de alguém que nos chama. Essência de perfume. Aquele que nos faz girar, atentamente, em torno de nós mesmos. Sempre que o ouvimos. A que cheira? Estranheza ou afeição? Rejeição ou propriedade. Abrimos ou fechamos? Que raízes nos tocam? Aquele nome que conta a fábula que escolheram para nós. Comum. Identidade e história que aprendemos a defender (Mindell). 

Identificação. Retrato a preto e branco. Ou desidentificação (Assagioli), para além daquilo que sentimos, pensamos ou fazemos? Sonho a cores. Quem é o nosso nome? Parte de nós ou totalidade? É caule, folha, estame? Ou é planta por inteiro? Revela um papel que desempenhamos? Ou extraímos dele a essência de nós? É o personagem que o mundo vê? Ou é imagem-palavra da nossa psique? Escrita ou falada. Desenhada ou sussurrada. Exclamada ou declamada. Proclamada. Cantada. Dita em jeito de prece.

Porque existe esse nome. Tenha sido aquele que nos foi oferecido, ou não. Esse nome que é o nosso. O meu, o teu e o da rosa. Aquele do qual extraímos óleo essencial. Complexo. Componentes químicos infinitos. Que é mais do que um nome. Que uma identidade. Único o suficiente para nos revelar. Amplo o suficiente para nos incluir. A cada um de nós e um ao outro. Ao longo das estações. Polinização. À medida que os ventos e as abelhas nos trazem frutos. Renovados. Aquele nome que conta. Extraordinário. Porque é aquele que ecoa também o nosso corpo-sonho (Mindell).

E qual é o nome que me dás? Qual é o nome que te dou? Qual é o nome que damos à rosa?
Identidade que escraviza? Ou amor empático? Que nos faz ver para além. Das pétalas. Dos espinhos. Dos veios. Das fragrâncias. Dos botões. Das raízes também. Seiva que corre. Nome que se vai reinventando, acrescentando, compondo. Reciclando. Nomes antigos. Unindo-se. A outros nomes. Amor empático onde o eu é livre para se abraçar (Firmin e Gila). Em consciência e com vontade (Assagioli). Cabeça, coração e fundo *. Que vê aquilo que dá corpo. Óleo essencial extraído a frio. Conservando propriedades. Biológico. Sem aditivos. Medicinas.

Soletre-se o nome que é o nosso. E escute-se o corpo-sonho. Dores, sintomas, imagens (Mindell). Símbolos. Aromas que nos apontam o caminho até à psique. Sentido. Insight. Medicinas. Porque é a imaginação que abre caminho à possibilidade dessa relação empática (J. K. Rowling). Magia. Na capacidade de imaginar o outro. Com dores, com sonhos e muito para lá do horizonte deles. E de cada vez que o dissermos nascerá uma flor. O meu nome que acolhe o teu. O teu nome que acolhe o meu.

O nome da rosa que cultiva os dois. Medicina primordial. Geleia real. A da rosa, a da alfazema, a da papoila, a do girassol, a da camomila, o da calêndula, o do amor-perfeito. A de cada um. Flores que cuidam. De todos. Reguemos. Olhemos com deslumbre os polens que se cruzam no ar. Cuidemos das flores da Terra. E dos nomes de nós. E também da relação autêntica que faz germinar as flores da Terra e os nomes de nós. Porque é esse o, tão singelo, nome da rosa.     


Livros recomendados: “Psicossíntese: um manual de princípios e técnicas” de Roberto Assagioli ; “The primal wound” de John Firmin e Ann Gila;; “The shaman’s body“ de Arnold Mindell”; “Herbário” com poemas de Jorge Sousa Braga e desenhos de Cristina Valadas.

Livros como inspiração: “Todos os nomes” de José Saramago; “A identidade” de Milan Kundera; “O nome da rosa” de Umberto Eco.


* Cabeça, coração e fundo: as três classes de notas olfativas de um perfume


por Ana Sevinate




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