fotografia: Gerês, Outono
carvalho: sabedoria, força, durabilidade, solidez
dedicado a A. e a M.
(sentires) (imagens)
Existe algo de profundamente fascinante nas pontes. Ligam. O
cá e o lá. O ali e o acoli. O antes e o depois. O ontem e o amanhã. São o aqui,
o agora e o hoje. Ligam o que a água separa. Sobrevoam a água que a terra
abraça. Símbolos arquitetónicos de união. Histórias feitas de pedras e de ramos.
Atravessadas por tempos e eras, pressas e ficares, canas de pesca e migalhinhas
para os peixes, bicicletas e namoros.
Desde não há muito tempo que fui sentindo que alguns de nós
somos pontes. Ligamos lugares, pessoas, narrativas, sentires, filosofias,
ideias. Não somos de lá, nem de cá. Somos daqui. Somos do sítio que nos liga.
Somos feitos de linhas e de laços. Pertencemos ao caminho. Pertencemos ao
entretanto e ao segmento de reta. Ao comboio e ao avião. À maré. Somos a viagem
e o viajante. Somos a raiz e o vasinho que a transporta.
Lugar que às vezes pode ser sentido como solitário e a sem
pátria. Ou, pelo contrário, lugar de antecipação e de álbum de recordações. De
saudades e de regresso. Lugar onde se faz parte de todos e se pertence a
tudo. Lugar que tem a qualidade de juntar realidades aparentemente distantes,
de integrar partes de nós aparentemente de costas voltadas, de transmutar
ideais aparentemente contraditórios. Norte e Sul. Corpo e alma. Passado e
Futuro. Poiso e voo. Solstício e Equinócio. Bosque e planície.
Somos o centro e somos o coração. Somos presente e somos presença.
Somos o abrir das asas. Vamos tocando, mais ou menos de mansinho, na vida uns
dos outros. Ficando e indo. Partindo e voltando. Aguardando. Na estação, na
paragem, no aeroporto, à porta. Vamos semeando e colhendo sementes de seara, de
vinha e de castanheiros. O que tocamos viaja connosco e o que nos toca fica lá
à nossa espera.
Pontes imaginárias que não têm que ter rios. Nem nascente
nem foz. Nem Douro nem Tejo. Nem Guadiana nem Mondego. Viajo por estes dias de
comboio, Intercidades, entre cidades. Lisboa, Porto, Braga. Entre o calor
alaranjado, o nevoeiro e o chuvisco miudinho. Um dia foi de avião. Entre
Portugal e Inglaterra. Também entre o calor alaranjado, o nevoeiro e da chuva
miudinha. Trago mais à consciência essa característica que não se escolhe.
Temo-la porque sim. Pode-se, porém, acolhe-la e cabe-nos a nós viver o melhor
dela. Restabelecendo elos e fortalecendo abraços.
Movimento tão necessário como respirar que é dança livre e
dança de comunhão. Num momento, o por do sol cor de ácer. Num momento a vista
da Ribeira com quem fez sempre parte da nossa vida e um jantar à mesa com quem sempre
fará. Num momento a pronuncia do Norte que se senta ao nosso lado. Num momento
o sotaque alentejano que espreita pelo telefone. Num momento um abraço com
aroma a casa de quem é companheiro de viagens. Folhas de carvalho, sólido e
mágico.
É precisamente do movimento e da viagem que se agita o
processo criativo. A criação nasce da relação e a relação nasce da travessia,
do passo e do gesto. Da criação nasce a autonomia. Sem pontes sinto que não
saio do mesmo lugar. Sem gesto e sem passo falta força criadora, ação, foco, energia,
vontade. A imaginação fecha-se em concha e brinca ao quarto escuro. Com pontes ligo-me
e a imaginação sai de mãos dadas. E é das folhas que caem e se perdem que as
pontes se erguem.
por Ana Sevinate
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