29/11/2017

trevo de mil folhas


trevo: abundância, sorte, fé, esperança, amor


dedicado a Marvão e a todos aqueles que por lá fazem a magia (re)nascer


(sentires) (imagens)

Abundância. Trevos com quatro folhas. Oliveiras generosas. Os mil tons da pena de um pássaro. Abraços casa. Gargalhadas pequeninas. Pios e cantos da alma e da tradição. Com que o coração se nutre. E quando chovem azeitonas chove o peso do seu tesouro. E quando chovem azeitonas chove o âmago da sua sabedoria. A determinação e a força da gravidade. A falha é herança que já não serve. A escassez é mensagem à deriva em alto mar. A aridez é lembrança perdida na planície.  

Um dia, com o sentimento de falta veio a memória antiga de aflição. E com a aflição voltámos a cair na dor. Da ilusão que não tínhamos a que nos agarrar. E a profecia cumpre-se. Alimentamos a falha, agarramos a escassez, perdemo-nos sozinhos na aridez da paisagem. Espremidos. Que os frutos da Terra nos relembrem que a separação entre ela e nós, pessoas, é um caminho irreal. Que reparando as nossas raízes, nada nos faltará. Em coro e em bando. Em roda e em círculo. Candeias acesas e alumiadas. Capacidade de gerar.

Sorte. Ou encanto. Quando alinhados conosco. Tecendo. Vontade, verdade, missão. Cura. Quando estamos onde sempre foi suposto estar. À hora certa. Trevos com mil folhas. Doces, amargas. Inteiras, recortadas. Fortes, vulneráveis. Mil medos, mil sonhos. Enfrentam-se dragões. As princesas nunca precisaram de ser salvas. Meninas guerreiras. Mulheres guardiãs. Da Terra. Artesãs dos seus destinos. Estrelas de cinco pontas. Redimem-se e transformam-se os triângulos, porque se entrelaçam.

Por vezes voltamos a tropeçar na mesma ferida e no mesmo buraco. Mil arranhões. Reparação. Tal como a terra que arde e os galhos que secam. Ciclos. Reerguemo-nos. Demo-nos a possibilidade de olhar os dragões olhos nos olhos e reconhecermos neles o nosso fogo. Mantendo-o vivo. Fiquemos, para nos darmos a oportunidade de perceber que a história estava, afinal de contas, muito mal contada. Que não nos cabe a cada um de nós dar ao outro o que não tivemos. Que cabe sim a todos nós relembrar-nos uns aos outros que podemos reaprender a amar. Com compaixão. Pois é o reaprender de uma língua guardada em pergaminho. Arcaica e primordial. Cá dentro. É o reaprender a andar com raízes e com sombras. De pé.

Árvores que caminham. Mil braços.



por Ana Sevinate


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