trevo: abundância, sorte, fé, esperança, amor
(sentires) (imagens)
Abundância. Trevos com quatro folhas. Oliveiras generosas. Os
mil tons da pena de um pássaro. Abraços casa. Gargalhadas pequeninas. Pios e
cantos da alma e da tradição. Com que o coração se nutre. E quando chovem azeitonas
chove o peso do seu tesouro. E quando chovem azeitonas chove o âmago da sua
sabedoria. A determinação e a força da gravidade. A falha é herança que já não
serve. A escassez é mensagem à deriva em alto mar. A aridez é lembrança perdida
na planície.
Um dia, com o sentimento de falta veio a memória antiga de
aflição. E com a aflição voltámos a cair na dor. Da ilusão que não tínhamos a
que nos agarrar. E a profecia cumpre-se. Alimentamos a falha, agarramos a
escassez, perdemo-nos sozinhos na aridez da paisagem. Espremidos. Que os frutos
da Terra nos relembrem que a separação entre ela e nós, pessoas, é um caminho
irreal. Que reparando as nossas raízes, nada nos faltará. Em coro e em bando.
Em roda e em círculo. Candeias acesas e alumiadas. Capacidade de gerar.
Sorte. Ou encanto. Quando alinhados conosco. Tecendo. Vontade,
verdade, missão. Cura. Quando estamos onde sempre foi suposto estar. À hora
certa. Trevos com mil folhas. Doces, amargas. Inteiras, recortadas. Fortes,
vulneráveis. Mil medos, mil sonhos. Enfrentam-se dragões. As princesas nunca
precisaram de ser salvas. Meninas guerreiras. Mulheres guardiãs. Da Terra.
Artesãs dos seus destinos. Estrelas de cinco pontas. Redimem-se e transformam-se
os triângulos, porque se entrelaçam.
Por vezes voltamos a tropeçar na mesma ferida e no mesmo
buraco. Mil arranhões. Reparação. Tal como a terra que arde e os galhos que
secam. Ciclos. Reerguemo-nos. Demo-nos a possibilidade de olhar os dragões
olhos nos olhos e reconhecermos neles o nosso fogo. Mantendo-o vivo. Fiquemos,
para nos darmos a oportunidade de perceber que a história estava, afinal de
contas, muito mal contada. Que não nos cabe a cada um de nós dar ao outro o que
não tivemos. Que cabe sim a todos nós relembrar-nos uns aos outros que podemos
reaprender a amar. Com compaixão. Pois é o reaprender de uma língua guardada em
pergaminho. Arcaica e primordial. Cá dentro. É o reaprender a andar com raízes
e com sombras. De pé.
Árvores que caminham. Mil braços.
por Ana Sevinate
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