(sentires)
“Leve os alperces ao lume cobertos com água
e deixe cozinhar cerca de 10 a 15 minutos.
Deixe arrefecer, junte a raspa de limão, as natas (de
aveia),
e triture até obter um creme fofo.”
Claras em castelo. Suspiro. Merengue. Com aroma a baunilha. É
assim que nos sentimos? Ou mais como trouxas de ovos? “Pão de rala”? Como nos
sentimos? E como sentimos os outros? Leves ou pesados? O que carregamos? Fardos
de palha ou espuma de leite? O que queremos arrastar conosco e o que estamos
dispostos a largar? Para podermos andar ligeiros. Em frente. Ou preferimos a
segurança de guardar o que pode a vir a fazer falta? Porque nunca se sabe....
Mesmo que já esteja, há muito muito tempo, fora do prazo. Ainda que faça peso.
Que entupa. Calorias sem valor nutricional. Intoxicamos. Mas guardamos, não vá
fazer falta... Crenças. Vivências. Aprendizagens.
Guardamos. E, ainda por cima, aquilo que carregamos não nos
chega. Queremos mais. Sentimos a falta. Insatisfação de nós próprios.
Sentimo-nos insuficientes. Menos. Pouco. E a partir daí qualquer demonstração
de afeto, qualquer prova de amor não chega. Porque sentimo-nos menos e por isso
precisamos de mais. Para sentirmos que somos dignos desse afeto. Desse amor.
Mas nunca chega. A falha é sentida em nós. E o que damos não chega. Temos que
dar mais. Fazer mais. Para sermos dignos desse afeto. Desse amor. Calorias que
não alimentam. Porque existe falha. Ferida.
O que acontece se escolhermos andar leves? Perdões. Drenagens
de líquidos que ficaram retidos. Fluem. Água. Emoções passando e correndo em
direção à foz. Levando o que já não é para ficar. Dores. Memórias. Padrões.
Água com limão, acelerando o metabolismo. Abrindo comportas. Desapegando.
Abrindo. Mais espaço. Respiramos. Flutuamos mais. Bolas de sabão. Cocegas. Sim,
os medos borbulham. Vêm à superfície. Para serem lavados. Levados. Abre-se
espaço. Para sentir. Que se é suficiente.
Sara-se a ferida largando. E recebendo diferente. E dando diferente. Mais. E enquanto as bolas de sabão sobem aos céus, deixa-se entrar.
O reflexo de que temos direito de existir assim. Tal e qual como somos. E vislumbram-se
novas possibilidades. De ser em nós. De ser no mundo. Ligação. Massa não
quebrada. Elástica. A possibilidade de que a mensagem possa ser outra. Qualquer
outra que não seja aquela que diz que não chegamos. Para sermos amados. E a
magia acontece. Descobrem-se mil paladares. Texturas. De nós. Dos outros. Forças.
Brilhos.
Faz-se diferente. Com amor. Em amor. Em mim, na relação
comigo. Em ti, na relação com o outro. Em nós, na relação com o mundo. Ultrapassando.
Ultrapassando-nos. Incluindo-nos, com tudo o que é nosso. Incluindo as várias
camadas do bolo. Porque há também aquilo que não podemos deixar para trás. Aquilo
que não podemos guardar na caixa das bolachas ou na gaveta da cozinha. Aquilo que
não podemos deixar de ser. Com as idades que tivemos, que temos, que teremos. Sempre.
Como os anéis do tronco de uma árvore, sobrepondo-se em círculos. Circundando-se,
contendo-se. Ano após ano. Naquilo que essencialmente fomos, que somos sempre,
que podemos vir a ser (Ferrucci). Sempre. Aquilo que sempre lá esteve, em nós, e
que lhe perdemos o sabor. Demasiado saboroso para ter sido válido. Brincar. Maravilharmo-nos.
Deslumbrarmo-nos. Redescobrirmos. Chocolate “Regina”. Passado.
Colocando limites, mas não fechando territórios. Delimitando
espaços e tempos, mas abrindo fronteiras. Porque o amor só é possível se
estivermos frente a frente. E em roda. Triângulos equiláteros. Sem vitimas. Sem
agressores. Sem salvadores. Sem polarizações ou demonizações. Sem mandar para
fora. A par. Em igualdade. Outra qualquer forma geométrica. Hexágono. Estrela.
Geometria sagrada. Feita de pessoas. Reconhecendo-nos como diferentes. Mas
parte de um mesmo templo. Sem saladas. Sentindo-nos uns nos outros, mas sabendo
quem somos. O que é nosso. E o que não é. Mistura-se a massa, mas conhece-se a
forma. A de cada um. Triângulos de síntese (Young Brown). De unidade.
Integrando sempre. Bolo cozido por igual. Na base. No recheio. Na cobertura.
Presente.
E assim, só assim, se ama. Em escolha. Porque sempre tivemos
tudo. Abundância. E é quando percebemos que temos tudo, que escolhemos estar
com quem perceba que também tem tudo. Que temos tudo. Que a Terra tem tudo.
Todos os segredos. Todas as respostas. Todos as fontes. Todas as curas. Que não
precisamos de mais. Relembremo-nos. Ajudemo-nos a não esquecer. Uns aos outros.
Todas as camadas. Fofas. Leveza. Fluidez. Amor que flui, que corre. Que transforma.
Que resgata. Ponto de rebuçado. Porque não agarra. Não é adquirido. Não tem
posse. Alimenta-se de si próprio. Nutre-se em si próprio. Vive por si próprio.
Incondicionalmente. Eternamente na validade. Futuro.
Livros recomendados: “What we may be” de Piero Ferrucci;
“Unfolding Self: the practice of Psychosynthesis” de Molly Young Brown; “Tudo o
que comemos conta” de Geninha Horta Varatojo.
Livro como inspiração: "A insustentável leveza do ser" de Milan Kundera.
Livro como inspiração: "A insustentável leveza do ser" de Milan Kundera.
por Ana Sevinate
A insatisfação é própria do ser humano. É necessário alcançar um certo estágio de grandeza espiritual para sentir Felicidade e satisfação.
ResponderEliminarSem dúvida! Essa insatisfação é que nos faz ser, quem queremos Ser.
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